sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

2021

Desde que assisti ao filme sobre a vida da Rainha Elizabeth II (A Rainha) cismei que um dia começaria a escrever meu diário. Afinal, tudo que possa ser relacionado à longevidade da soberana, que não seja nenhuma receita intragável ou feita com ingredientes nojentos, pode e deve ser copiado. Deduzi, então, que o hábito de escrever o diário tinha forte e determinante impacto positivo na saúde de sua majestade.

Acho até que não é o diário propriamente dito, mas a disciplina que o hábito requer, principalmente para quem não pode se dar ao luxo de, como a rainha, abrir mão de parte de seu tempo, totalmente dedicado ao ócio, para atividade que também pode ser considerada ociosa.

Quando me rendi aos fatos e percebi que a pandemia do coronavírus era mais séria do que se pensava, me trancafiei em casa e, por meses, não botei o pé na rua. Cuidava de lavar tudo que chegava, de frutas a garrafas de vinho, estas com substancial aumento de pedidos. Correspondência era submetida a uma camada de álcool em gel e comida de delivery passava por igual tratamento. Enfim, me preparava para viver confinado, mais precisamente me preparava para viver, e isso era importante.

Lembro perfeitamente que no dia 17 de março saí mais cedo do escritório e peguei o metrô, antes do horário de pico, para dar início ao isolamento social, nome que a imprensa ou sei lá quem inventou para o toque de recolher, imposto por um vírus do qual nunca havíamos ouvido falar. E se fosse falado também não entenderíamos, porque o bicho era chinês.

Logo nos primeiros dias, pensei em fazer um diário da quarentena. Virginiano, preferi não começar até que elaborasse como faria para que ficasse perfeito. É claro que nem comecei. A cada dia que passava, tentava fixar na memória o que havia acontecido nos dias anteriores. Pensava em fazer um relato mais ao estilo dos diários de bordo dos antigos navios, onde se registrava o clima, a comida e os horários. Aliás, nem sei se os comandantes de navios faziam isso, mas se não faziam deveriam fazer, nem que fosse para matar o tempo, assim como a rainha.

Não fiz o diário, como também não fiz um monte de coisas que pensava que faria no dia em que ficasse mais tempo em casa. Sempre falei que gostaria de receber uma pena de prisão domiciliar, para ter tempo de botar a leitura em dia, escrever, organizar fotografias e álbuns de viagens, botar ordem nos arquivos, meditar, enfim, tudo aquilo que não fazia por falta de tempo e continuei a não fazer, mesmo com um pouco mais de tempo. Digo um pouco porque não parei de trabalhar, só que agora sem o conforto e o recolhimento do meu escritório e sendo interrompido por duas cadelas que ainda não se acostumaram com a presença integral de seu humano, antes restrito às noites e aos fins de semana.

Se tivesse feito o diário, também registraria os livros que li, muitos, mas menos do que gostaria, e as lives que assisti, poucas, mas bem mais do que precisava. Chega um momento em que a as lives passam a ser repetitivas e os assuntos refletem a incerteza que o mundo passa diante de uma doença desconhecida. Exceção se faz às lives de Caetano Veloso, que nos presenteou no dia de seu aniversário, em agosto, cantando com seus filhos, e despertou a vontade de assistir a próxima, de Natal. Não dá para dizer qual a melhor. Na dúvida, assisto ambas, diversas vezes, sem enjoar.

Comecei a seguir alguns influenciadores (influencers)  e canais de Youtube, com destaque para Henry Bugalho e Aviões & Músicas. Maratonei séries curtas, como “The Crown” (olha a rainha de novo), “Nada Ortodoxa” e “Emily em Paris”. Vi filmes atuais e antigos e comecei a assistir filmes em espanhol, sem legenda, para reforçar as aulas semanais.

Interrompi o projeto de dissertação de mestrado, pois as aulas são presenciais em Montevidéu e o governo uruguaio não quer saber de brasileiros tão cedo por lá, até que as coisas tomem jeito aqui no Brasil. E esse jeito, se acontecer, será só em 2022.

Mudei de casa e de bairro. Não vejo pessoas queridas, para o bem de todos, e não tenho vergonha de dizer que acredito na ciência, mesmo com o iluminismo tão em baixa e rechaçado pelos negacionistas. Nas redes sociais não chego a me decepcionar com algumas pessoas, mas confesso que não sabia que chegariam a tanto. As fronteiras da vergonha foram definitivamente rompidas, quando se descobriu que muitos pensam (se é que isso é pensar) da mesma forma.

Chegamos ao primeiro dia de 2021 e penso que agora é o momento certo de iniciar o postergado diário. Já parei de fumar há anos, estou fazendo dieta, leio todos os dias e pretendo continuar bebendo vinho, além de uma ou outra contravenção aceitável, ou seja, não deixei margem para promessas de ano novo, por isso pensei no diário.

Meu blog clama por novas crônicas e contos e receio que o diário roube o tempo necessário para dar continuidade à pretensão de me apresentar como alguém que escreve crônicas e contos. Cara de pau tem limite.

Não farei diário. Ao invés disso, escreverei crônicas diárias, o que talvez contemple as duas coisas. 2021 mal acaba de ser inaugurado e já começo a fazer o que levaria meses até a desistência final. O ano passado nos ensinou que as coisas acontecem, mesmo contra nossa vontade. O mundo mudou muito rapidamente. Hoje se fala no novo normal. Pode-se arrumar qualquer desculpa para não escrever, menos por falta de assunto.

Sendo assim, até amanhã.

 

Rio de Janeiro/RJ, 01 de janeiro de 2021

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