domingo, 24 de janeiro de 2021

Passageiro

Nos primeiros dias de 2021, no aeroporto de Detroit, três passageiros espancaram um agente da Spirit Airlines que pediu para verificar seu suas bagagens de mão estavam dentro dos limites permitidos para embarque na cabine. Diante da recusa, o agente impediu o embarque e foi covardemente atacado, precisando ser levado para o hospital, dada a gravidade dos ferimentos.

Os passageiros foram detidos e não mais poderão voar por aquela companhia. Preovavelmente, serão processados, pagarão alguma indenização leve e o caso termina por aí. Quando começo este texto fazendo referência aos primeiros dias de 2021, a intenção foi a de chamar à atenção para um ato de selvageria que deveria soar estranho na entrada da terceira década do século 21.
Que o mundo parece andar para tras, isso é inegável. O ataque ao Capitólio foi a consagração  do ambiente de hostilidade que permeia as redes sociais e os debates políticos. O mais grave é que este comportamento é incentivado por líderes que deveria dar o exemplo contrário. Quando se poderia imaginar que o país que se arvora de guardião da democracia teria um presidente, democraticamente eleito, que não se conformaria com a derrota que pos fim ao seu projeto de reeleição. Não se conformar é seu direito, mas não quebrando as regras que exige de outros países.
O episódio de Detroit é o espelho de como caminha a humanidade. Aeroportos e aviões, há algum tempo, tem sido palco de cenas grotescas, e isto não se deve à popularização das viagens aereas. A maior parte dos protagonistas está situada naquela camada da sociedade onde se esperava maior civilidade. Ao contrário, é a casta que se acha superior que não se conforma em seguir regras ditadas por questões de segurança. Segurança para todos, inclusive para ela.
Até antes da pandemia, viajava a trabalho quase todas as semanas. Sendo vôos curtos e com estadias de, no máximo dois dias, muitas vezes levava apenas uma mochila, que acondicionava sob o assento dianteiro, para que os bagageiros superiores ficassem disponíveis aos passageiros que levavam malas de pequeno porte. Por vezes não contive minha indignação com usuários que embarcavam com três ou mais volumes e os acomodavam nos bagageiros, um ou lado do outro, não sobrando espaço para os que ainda não tinham ingressado na aeronave.
Certa vez, perguntei à comissária se a tripulação não podia exigir que as mochilas e bolsas fossem retiradas do compartimento superior e acondicionadas sob os assentos dianteiros, como é solcitado desde a fila de embarque, ao que a mesma respondeu que não há o que fazer quando o passageiro se recusa. Ou seja, prevalece a lei do mais esperto, já que se cristalizou o entendimento de que desrrespeitar a regra do convívio social é esperteza.
O que observo, e aí é só observação mesmo, é que as pessoas se sente diminuidas em acatar as instruções repassadas pelos comissários. Vivemos em um país com cacoete de farda. Talvez se a solicitação partisse  do comandante, ostentando quatro berimbelas, que é o nome que se dá às faixas nos ombros dos uniformes, as ordens seria acatadas de imediato. Brasileiro não respeita quem demonstra, pelo traje, que existem instâncias superiores. Chamar Comissária de Bordo de aeromoça é tão ultrapassado quanto vulgar. Comissários tem a missão principal, e são muito bem treinados para isso, de assegurar a segurança dos passageiros, em caso de ocorrências durante a viagem, inclusive acidentes.
Sinto vontade de intervir quando vejo o Comissário instruindo sobre a posição dos assentos, na decolagem e no pouso, a proibição do uso de celular, o recolhimento da mesa e a desobstrução da passagem, e, mesmo assim, a maioria dos passageiros se faz de surda e agem como se aquelas orientações fossem apenas uma sugestão.
A FAA (Federal Aviation Administration) anuncia que vai elevar o valor das multas e dar ordem de prisão a passageiros que não se comportem de acordo com as normas de segurança. Não haverá aviso prévio. Passa a vigorar tão logo se definam os parâmetros. Não gosto de autoritarismo, mas aqui é diferente.  Proteger todos não é autoritarismo. Desobedecer ostensivamente é abusar de um poder que não se tem.
Este tema me incomoda tanto que outras vezes a ele voltarei. Não duvido que, em muitos casos, o medo seja o motivo deste comportamento inadequado. Quem sabe a alma de um rato não se esconde sob a carcaça de um gorila.  

Rio de Janeiro/RJ, 24 de janeiro de 2021

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