sábado, 23 de janeiro de 2021

Escolhas

A cada dez livros de aconselhamento, muitas vezes conhecidos como auto-ajuda, nove falam da importância de se fazer boas escolhas. Ainda que não seja de imediato, esta escolha vai influenciar fatos futuros em nossas vida. Cada vez que acontecer algo, basta olhar para tras e vamos entender o porque do momento vivido. Parece conversa de doido em cima da roda do tempo, mas comecei a observar e vi que faz sentido.

O sujeito acorda com a porta de casa sendo esmurrada. Atende, de mau humor, e dá de cara com um oficial de justiça e dois soldados. Lê o documento que lhe é apresentado e percebe que vai ser despejado. Não amanhã nem na semana que vem. É agora. Se não tiver onde botar os móveis, estas vão para o meio da rua. O termo despejo é amplo. Vão despejar tudo que está no interior da casa, inclusive os moradores. Antes de praguejar, por a culpa na ex – mulher, que nunca fez nada para ajudar, no pai, que nunca o entendeu, na mãe, que o deixou mal acostumado com seus socorros financeiros e deixou esse mundo levando o direito à minguada pensão. Culpou o emprego, que detestava a ponto de abandonar sem ter outro em vista. 

Na calçada, olhando sem graça para os vizinhos e dando a desculpa que o caminhão de mudanças se atrasou, por isso os móveis estão espalhados ali, pensa até em se matar, ou melhor, não pensou para valer. Depois de umas lambadas da vida, a gente aprende que ruim com ela, pior sem ela. Morto não sente nada, o que significa que também não passa por coisas boas. Melhor continuar por aqui. Do nada, surge um amigo, igualmente desempregado, mas que se identifica como coach, que é muito mais digno. Contando suas desventuras, o que é desnecessário, com uma casa desmontada a céu aberto, responde a várias perguntas até que identifica que nada daquilo é castigo, praga ou coisas do gênero. Está ali porque fez a escolha de não pagar o aluguel. Cismou que dar dinheiro a quem não trabalha não era justo. A propriedade é invenção da humanidade. Quando o mundo começou, ninguém era dono de nada. Se vivesse naquele tempo, não pagaria aluguel e seus móveis não estariam na rua, até porque não existiriam móveis nem rua.

A conversa com o coach não foi de todo ruim. Continua sem ter para onde ir, mas está orgulhoso de ter provocado aquela situação. Se fosse um terremoto, estaria se lamuriando, ou nem isso. Como não há terremotos no Brasil, ele estaria em outro país, o Japão, talvez. Não sabendo falar japonês, ia se lamuriar por gestos, e aí haja talento para mímica. Agradece o conselheiro e pergunta o que faz agora, que já sabe que os acontecimentos são frutos de suas escolhas. Escolher, oras, apenas fazer novas escolhas. Se não souber o que escolher, que cuide da memória para se lembrar, daqui a um tempo, o que fez hoje. Pelo menos vai reforçar que sua vida não anda ao acaso.

Não pagou a consulta porque não tem um puto no bolso. O coach o tranquiliza dizendo que aquela sessão foi “pro-bono”,  ou seja, de graça. A maior parte dos coaches que conheço trabalham assim. Não sei do que vivem e como vivem. Onde moram e o que comem. Como acasalam e quantos nascem em cada ninhada. Há tempos não assisto televisão. Foi escolha feita no passado, mas agora não sei se ainda existe o Globo Repórter, que podera responder estas questões.

Nem sempre as escolhas levam tanto tempo para influenciar nosso presente. Hoje, acordei bastante estropiado, consequência de escolhas normalmente feitas nas sextas feiras à noite. Fiz café e passei geléia de morango em uma fatia de broa. Quando fui levar à boca, uma porção da geléia caiu na caneca de café. Bebi assim mesmo e ficou até gostoso, pelo menos ficou diferente. Neste momento, fiquei orgulhoso de minha escolha. Do jeito que eu estava, podia ter passado bosta da cadela no pão. Voltando ao coach, nada acontece por acaso.


Rio de Janeiro/RJ, 23 de janeiro de 2021


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