Há anos, o Dia de Reis tem um significado maior para mim. É o dia do aniversário de minha filha Lara. Não pensava em ser pai, como também não pensava em não ser. Era algo que, se tivesse que acontecer, aconteceria, como, de fato, aconteceu. Eu e a mãe dela decidimos não saber o sexo nas sessões de ultrassonografia. Ali bastava saber se estava tudo bem, e, por sorte, fazíamos os exames com regularidade, o que bastou para que fosse detectado certo risco de que a gravidez não fosse adiante. Um simples procedimento cirúrgico, porém, resolveu a situação e a menina aguentou mais uns meses, esperou o Natal e a Passagem de Ano para não atrapalhar a festa de ninguém. Até hoje ela tem esse cuidado com os outros, mesmo que não seja a melhor opção para a sua vida. É questão de temperamento, mas acho que um pouquinho de egoísmo, o suficiente para pensar em si, não seria de todo mal.
Deixou, então, para enfeitar minha
vida no Dia de Reis, decerto sabendo, mesmo de onde estava, que esta festa não
é tão importante nas cidades. Nem feriado era, mas para mim foi, porque tive
licença do trabalho. Lembro que na madrugada da manhã agendada para a
cesariana, falei para a mãe dela se levantar para recebermos a menina. Tinha
certeza de que seria uma menina. Tinha tanta certeza quanto vontade, o que pode
parecer estranho para alguns homens, que torcem pelo contrário. Acho que hoje
nem mais é assim. Como não seria de imediato, ainda fiz minha última aula de
violão, até a retomada dezoito anos depois. Acabei não engrenando na música,
acho que não levo muito jeito, como também não sei se levo jeito para ser pai.
Gosto de ser, e isso deve ser positivo. Não há curso para ser bom pai. Aí é
questão de sorte, do filho.
A forma como cuidamos de nossos
filhos diz muito sobre nós. Queremos que seja bem sucedido, famoso, invejado?
Será que não é nós que queríamos ser tudo isso? É comum pais se projetarem nos filhos,
para que estes compensem suas próprias frustrações. É comum pais afirmarem que
o importante é que o filho seja feliz. É isso mesmo? E se felicidade para o
filho for assumir uma relação homossexual? E se a profissão escolhida for o teatro?
Há muitos conceitos de felicidade que nem sempre são bem vistos por pais que queriam
ver nos filhos sua réplica melhorada.
Não me esqueço de um diálogo entre
pai, vivido pai e filho em uma novela de televisão. O filho não queria seguir a
carreira que o pai desejava, e, depois
de muita discussão, convence-o a aceitar que seja piloto de helicóptero. O pai,
então, diz que ele deve ser o melhor piloto de helicóptero do Brasil, achando
que assim a discussão terminava bem para os dois. Nunca me esqueço da resposta
do filho, indignado com essa cobrança de que deva ser o melhor. Ali fica claro
que o pai não deseja a felicidade sob a ótica do filho, mas sob a sua, que é o
sucesso.
É claro que não fazemos por mal.
Pai nenhum quer ver o filho tratado com preconceito de posição social, de
sexualidade, de profissão, de ideologia, etc. Mas, se o filho, dá um foda-se
para isso, já deveria ser o suficiente para que relaxássemos e o deixasse
seguir a vida que escolheu. Se não escolher vida nenhuma, talvez precise de
encorajamento e de aceitação. Não muito mais do que isso.
Bem, minha Lara deu cria e me
deixou tão feliz quanto no dia em que ela nasceu. Os netos deveriam ser a
extensão melhorada dos filhos, para que quando os estragássemos, e somos bons
nisso, ainda sobrasse coisa boa.
Este ano, não passaremos juntos seu
aniversário. Esse vírus tem uma caixinha de maldade que parece ser
interminável. Há meses só faço colecionar perdas e adiamentos, sabe-se lá para
quando. Um dia isso termina, e espero estar aqui para ver. Muitos não puderam
esperar. Outros tantos acharam que não era nada e para o nada foram.
É aprender com o novo normal, mesmo
a contragosto. Não gosto de falar ao telefone, mas gosto menos de não ouvir a
voz de quem amo. As videochamadas ainda não transmitem o cheiro e o calor, mas
os olhos demonstram afeto.
É aprender com as mudanças. Minha
vida mudou quando fui pai, e até hoje não ainda não peguei o jeito certo. Mas
as tentativas já nos fazem melhor. Não podemos deixar de tentar. Viram como já
aprendi a mandar recado para filha?
Um beijo, Larinha.
Rio de Janeiro/RJ, 06 de janeiro de
2021
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