segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Agenda

Mais um ano se inicia e mais uma vez prometo que não vou me afogar em compromissos lembrados na última hora. Conselhos de quem gosta de mim e, principalmente, de quem não gosta de mim são unânimes em dizer que devo usar agenda. Devo explicar porque quem não gosta de mim também me dá o mesmo conselho que me dão os que gostam. Pessoas que não gostam da gente adoram dar conselhos, principalmente os mais básicos, como usar uma agenda. Assim, querem fazer com que nos sintamos verdadeiros idiotas, por não saber de algo tão elementar. Acho muita graça de quem pensa que me ofende desse jeito. Não uso agenda porque sou desorganizado, porque me esqueço, porque gosto de viver perigosamente e, talvez o motivo mais relevante, porque sou perfeccionista.


Tenho orgulho de ser virginiano, e tenho ascendente em Virgem, para piorar. Gosto de passar a ideia de que faço tudo com perfeição. Só quem me conhece sabe que não é bem assim. Até tenho vontade de fazer tudo perfeito, mas, como não consigo, acabo fazendo de qualquer jeito, que só eu entendo.


Este ano comprei uma agenda e ganhei outra. A que comprei tem a semana inteira em duas páginas. A ideia é abrir a agenda e ter uma visão completa da semana. Aprendi isso em um dos quarenta e três cursos sobre organização que já fiz. Ah, acabei de me inscrever em mais um. Em tempos de cursos na internet, a gente acaba se inscrevendo em vários, mesmo que para não concluir. Ainda bem que estão sempre em ofertas que vão vencer em algumas horas. Aquele maldito reloginho decrescente na tela me dá muita aflição e acabo não resistindo. O desconto dado é tão expressivo quanto mentiroso. A cara dura de quem oferece não se acanha em dizer que um curso desses custa em torno de dois mil reais, mas eles estão oferecendo por 249 reais, sendo que para quem se inscrever naquele dia o custo total será de 27 reais, podendo ser pago em dez parcelas de 2,70. Não dá para resistir, mesmo sabendo que é mentira.


Voltando à agenda semanal, a desvantagem é que os campos para anotações são muito pequenos. Então, coloco uma sigla na agenda semanal e descrevo com detalhes na agenda que ganhei, com uma página para cada dia. Nem sempre estas siglas são de fácil assimilação. Se é algo que anoto em data distante, pode acontecer de não me lembrar do que se trata, quando chegar o dia, por isso descrevo na agenda diária. Há atividades que faço todos os dias, mas, para ficar parecendo agenda de gente muito ocupada, caso algum indiscreto resolva espiar, repito a sigla diariamente, caprichando no tamanho das letras, para parecer que é muito importante. LCC é uma das siglas que ocupam todas as datas na agenda semanal. Esta nem preciso descrever na agenda diária porque não tem como esquecer. O significado de LCC é “Levar Cachorro para Cagar”. Não precisava estar na agenda porque as cadelas me lembram com uivos e saltos. Para quem não sabe, advinhar o que elas querem deve ser mais difícil do que descobrir o que é LCC.


Outra vantagem das siglas é diferenciar pessoas com o mesmo nome. Existem levas de nomes iguais, acho que por época de nascimento. Antigamente, as novelas eram mais influentes e os personagens bonitos ou ricos emprestavam o nome para os bebês daquele período. O nome cabe na linha da agenda, mas o sobrenome complica um pouco.  Então escrevo o nome e coloco uma letra após, identificando uma característica, física ou comportamental. Asssim, Fulano de Tal passa a ser Fulano “P”, se for gordo. Usar “G” seria óbvio demais, então optei por “P”, de pesado. Quando é gago, não uso “G”, o que seria muito evidente. Escrevo “R”, de rateando, e por aí vai. Se me perguntarem o que significam as letras, digo que “P” é de preferencial,  que “R” é de relevante. Imaginação é o que não falta. Minha avó contou que o marido dela, meu avô, foi tirar medidas para um terno e viu quando o alfaiate escreveu, nas anotações, a sigla PC. De tanto insistir, acabou sabendo que PC era “pouco corcunda”. Não se ofendeu por dois motivos: era um homem muito bom e o terno encaixou direitinho, até na discreta corcunda.


Outra coisa que me intriga nas agendas é a parte de identificação do dono. Não bastasse apenas o nome, o telefone e o e-mail, há campo para endereço, tipo sanguíneo, CPF, Identidade, conta bancária, nomes dos contatos mais próximos etc. Quem fizer a loucura de preencher todos esses dados e perder a agenda, pode estar certo de que vai ser vítima de algum tipo de fraude. 


A agenda, para muitos, dá um ar de importância quando alguém quer marcar uma visita ou algum compromisso. A expressão “vou consultar minha agenda e te retorno” é clichê intragável. Tenho muita sorte com médicos, dentistas, psicólogos que me atendem. Quando quero marcar consulta, na hora já verificam a agenda e confirmam a data, após me apresentarem as opções. Nunca os encarei com menor importância por isso, muito pelo contrário.


E aquelas agendas que possuem campo para planejamento do ano? Ou reservam dezenas de páginas, como se fôssemos criar um mundo, e dizem que mesmo para isso não se leva mais do que sete dias, com mais um de descanso, ou então disponibilizam umas míseras linhas, talvez imaginando que o mundo vai acabar antes do fim do ano.


Durante um tempo ministrei treinamento e em um dos cursos orientava para o uso de agenda para todos os papéis que desempenhamos na vida – profissional, cônjuge, pai, filho, amigo, e por aí vai. A ideia era a de que para cada papel, fossem descritas, detalhadamente, as ações que seriam realizadas, até mesmo namorar. Há muitos anos, participei de um seminário com o psicanalista José Ângelo Gaiarsa. Ele, muito mais explícito, dizia que devíamos marcar dia e hora para o sexo. A lógica era a de que coisas óbvias são facilmente esquecidas.


Não sei se ele anotava. Na época, creio que não precisava, mas como nos deixou aos noventa anos, pode ser que em dado momento não quis correr o risco de adiar mais nada. Ter planos nos levam longe e fazer com que aconteçam nos levam de forma mais feliz. Se para isso a agenda serve, que seja meu instrumento de felicidade (F).



Rio de Janeiro/RJ,  04 de janeiro de 2021


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