terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Metrô

O título seria Axila, mas como Rubem Fonseca já tem um livro chamado Axilas e Outras Histórias Indecorosas, achei melhor não plagiar, o que nao deixa de ser uma presunção sem tamanho. Rubem Fonseca jamais saberia que escrevi algo assim e, portanto, não iria me acusar de nada. Ainda que soubesse, nada ameaça a obra do talentoso e mal-humorado escritor. Mas todo cuidado é pouco, afinal o homem é ex-policial e tem uma predileção para escrever contos de assassinatos cruéis, quase sempre por motivos fúteis.  

A intenção não é falar do metrô, mas é ali onde começo o dia vendo axilas, ainda que não tenha nenhuma tara por elas. Ao contrário, elas que parecem me perseguir. Em uma cidade quente como o Rio, onde o inverno é só um nome de referência para a época do ano, é comum que as mulheres dispensem mangas de vestidos e blusas, deixando à mostra parte do corpo que diz mais a respeito do cuidado pessoal do que outros nacos que o calor exige que sejam exibidos.

Não se pode dizer que a mulher seja descuidada porque tem bunda ou peitos caidos. A lei da gravidade é implacável e talvez até pior para os homens, que não tem como manter indefinidamente escondido o que caiu.

O metrô não tem assentos disponíveis para todos, e foi-se o tempo em que homens cediam seus lugares para as mulheres, talvez nos bondes, quando não se via tantas mulheres circulando pelas ruas e muito menos indo para o trabalho. A mulher de hoje viaja de pé e pendurada nas alças presas ao teto dos trens, expondo o sovaco, em sua maioria cuidadosamente depilados,  aos demais passageiros.

Como a falta de comodidade nem sempre permite ler, já que com uma mão no livro e outra na alça falta uma terceira para passar as páginas, há algum tempo me distraio tentando decifrar o que se econde por trás da axilas escancaradas nas manhãs subterrâneas. A luz fluorescente dos trens e a proximidade obrigatória entre os passageiros permite exame minucioso sem que eu seja espancado como tarado.  

Pessoas que observam detalhes são mais mal vistas do que aqueles que olham o todo. Pedreiros são odiados porque demonstram só estar interessados na bunda, tanto que só assobiam depois que a mulher já passou. Enquanto estão de frente, ficam intimidados. Para os admiradores de pés a vida é mais fácil. Basta andar cabisbaixo para ter a visão confortável do objeto de desejo, e ainda despertam pena por parecerem deprimidos.  

O sovaco muito liso, com a mesma cor do resto do corpo, sem nenhum pelo à mostra e inacreditávelmente seco demonstra foi depilado por algum método caro e sofrido, além de receber esmerado tratamento posterior, para que não fique irritado. Quem se daria a tanto trabalho, provavelmente diário, se não tivesse uma imagem a preservar? Advogadas, financistas? Terapeutas, talvez, mas da nova geração. As freudianas clássicas já estão mais passadas e não ligam muito para a aparência, além de já terem ganhado o suficiente para dispensar o metrô.

Sovacos esverdeados denunciam que foram tosados pelo barbeador, mesmo que sejam aqueles  cor-de-rosa fabricados para as mulheres, mas que fazem o mesmo estrago dos masculinos.  A vantagem é que a tosa pode ser feita no banho, economizando tempo. Imagino ser o método preferido de corretoras de imóveis, que marcam visitas muito cedo, para ganhar da concorrência. Hoje, os proprietários de imóveis anunciam em mais de uma imbiliária, fomentando a autofagia da classe.

Há algumas décadas, a mulher demonstrava sua libertação através de símbolos nem sempre compreensíveis, como a queima de sutiãs em praça pública. Se nunca mais tivessem usado o acessório, até dava para entender, mas o sutiã é vendido cada vez mais e virou artigo de luxo. Hoje, ninguém botaria fogo em um sutiã da Victoria`s Secret. É mais provável que queimasse o marido.

Em Veneza há um pub que inovou na decoração, com centenas de sutiãs pendurados no teto. A mulher que deixar  o seu ali ganha um drinque, com a vantagem de que a escuridão não permite avaliar o estado nem a marca. Vale guardar os que estavam selecionados para o lixo e fazer o escambo no bar.

Outra forma de enfrentar a submissão foi deixar crescer os pelos do sovaco.  Houve quem achasse bonito e até sexy, o que fez com que a idéia fosse abandonada, já que a atração não estava no contexto da rebeldia. O sovaco peludo deveria chocar a sociedade, demonstrar igualdade e selecionar os homens de mente aberta, que não demonstrassem  repulsa ao matagal, mas quando virou fetiche perdeu o sentido, ou melhor, inverteu o sentido.

Hoje há mais homens que raspam debaixo do braço do que mulheres que não o fazem. Quando questionados, e deve ter gente com falta de assunto para pesquisar isso, respondem que os nadadores raspam todo o corpo para melhor desempenho nas competições. Tudo bem, mas essa resposta só vale se o cara for nadador.

A natureza pode ser sábia, mas talvez não tão coerente. Se pelos nas axilas fossem tão necessários os índios os teriam, mas o sovaco deles é  liso como uma casca de ovo. Já li que índio não tem pelo para não atrapalhar a caminhada pelo mato, o que seria razoável desde que o urso também nascesse pelado.

Quando criança, folheei uma enciclopédia no escritório do meu avô e, com a curiosidade de quem está com os hormônios despontando, encontrei um estudo sobre a vida sexual dos índios. Não me lembro dos detalhes e nem das tribos pesquisadas, mas havia a descrição de um rito de acasalamento, que devia ser o nome pomposo para o que chamamos de preliminares. Se a memória não me trai, parece que o índio puxava a índia pelos sovacos, não sei se pela frente ou por trás, pouco importa, já que o difícil é agarrar alguém pelo sovaco, ainda mais não tendo pelos.

Rio de Janeiro/RJ, 19 de janeiro de 2021

(primeira versão em julho/2019)

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário