O título seria Axila, mas como Rubem Fonseca já tem um livro chamado Axilas e Outras Histórias Indecorosas, achei melhor não plagiar, o que nao deixa de ser uma presunção sem tamanho. Rubem Fonseca jamais saberia que escrevi algo assim e, portanto, não iria me acusar de nada. Ainda que soubesse, nada ameaça a obra do talentoso e mal-humorado escritor. Mas todo cuidado é pouco, afinal o homem é ex-policial e tem uma predileção para escrever contos de assassinatos cruéis, quase sempre por motivos fúteis.
A intenção não é falar do metrô, mas é ali onde começo o dia
vendo axilas, ainda que não tenha nenhuma tara por elas. Ao contrário, elas que
parecem me perseguir. Em uma cidade quente como o Rio, onde o inverno é só um
nome de referência para a época do ano, é comum que as mulheres dispensem
mangas de vestidos e blusas, deixando à mostra parte do corpo que diz mais a
respeito do cuidado pessoal do que outros nacos que o calor exige que sejam
exibidos.
Não se pode dizer que a mulher seja descuidada porque tem
bunda ou peitos caidos. A lei da gravidade é implacável e talvez até pior para
os homens, que não tem como manter indefinidamente escondido o que caiu.
O metrô não tem assentos disponíveis para todos, e foi-se o
tempo em que homens cediam seus lugares para as mulheres, talvez nos bondes,
quando não se via tantas mulheres circulando pelas ruas e muito menos indo para
o trabalho. A mulher de hoje viaja de pé e pendurada nas alças presas ao teto
dos trens, expondo o sovaco, em sua maioria cuidadosamente depilados, aos demais passageiros.
Como a falta de comodidade nem sempre permite ler, já que com
uma mão no livro e outra na alça falta uma terceira para passar as páginas, há
algum tempo me distraio tentando decifrar o que se econde por trás da axilas escancaradas
nas manhãs subterrâneas. A luz fluorescente dos trens e a proximidade
obrigatória entre os passageiros permite exame minucioso sem que eu seja
espancado como tarado.
Pessoas que observam detalhes são mais mal vistas do que
aqueles que olham o todo. Pedreiros são odiados porque demonstram só estar
interessados na bunda, tanto que só assobiam depois que a mulher já passou.
Enquanto estão de frente, ficam intimidados. Para os admiradores de pés a vida
é mais fácil. Basta andar cabisbaixo para ter a visão confortável do objeto de
desejo, e ainda despertam pena por parecerem deprimidos.
O sovaco muito liso, com a mesma cor do resto do corpo, sem
nenhum pelo à mostra e inacreditávelmente seco demonstra foi depilado por algum
método caro e sofrido, além de receber esmerado tratamento posterior, para que
não fique irritado. Quem se daria a tanto trabalho, provavelmente diário, se
não tivesse uma imagem a preservar? Advogadas, financistas? Terapeutas, talvez,
mas da nova geração. As freudianas clássicas já estão mais passadas e não ligam
muito para a aparência, além de já terem ganhado o suficiente para dispensar o
metrô.
Sovacos esverdeados denunciam que foram tosados pelo
barbeador, mesmo que sejam aqueles
cor-de-rosa fabricados para as mulheres, mas que fazem o mesmo estrago
dos masculinos. A vantagem é que a tosa
pode ser feita no banho, economizando tempo. Imagino ser o método preferido de
corretoras de imóveis, que marcam visitas muito cedo, para ganhar da
concorrência. Hoje, os proprietários de imóveis anunciam em mais de uma
imbiliária, fomentando a autofagia da classe.
Há algumas décadas, a mulher demonstrava sua libertação
através de símbolos nem sempre compreensíveis, como a queima de sutiãs em praça
pública. Se nunca mais tivessem usado o acessório, até dava para entender, mas
o sutiã é vendido cada vez mais e virou artigo de luxo. Hoje, ninguém botaria
fogo em um sutiã da Victoria`s Secret. É mais provável que queimasse o marido.
Em Veneza há um pub que inovou na decoração, com centenas de sutiãs
pendurados no teto. A mulher que deixar
o seu ali ganha um drinque, com a vantagem de que a escuridão não
permite avaliar o estado nem a marca. Vale guardar os que estavam selecionados
para o lixo e fazer o escambo no bar.
Outra forma de enfrentar a submissão foi deixar crescer os
pelos do sovaco. Houve quem achasse
bonito e até sexy, o que fez com que a idéia fosse abandonada, já que a atração
não estava no contexto da rebeldia. O sovaco peludo deveria chocar a sociedade,
demonstrar igualdade e selecionar os homens de mente aberta, que não
demonstrassem repulsa ao matagal, mas
quando virou fetiche perdeu o sentido, ou melhor, inverteu o sentido.
Hoje há mais homens que raspam debaixo do braço do que
mulheres que não o fazem. Quando questionados, e deve ter gente com falta de
assunto para pesquisar isso, respondem que os nadadores raspam todo o corpo
para melhor desempenho nas competições. Tudo bem, mas essa resposta só vale se
o cara for nadador.
A natureza pode ser sábia, mas talvez não tão coerente. Se
pelos nas axilas fossem tão necessários os índios os teriam, mas o sovaco deles
é liso como uma casca de ovo. Já li que
índio não tem pelo para não atrapalhar a caminhada pelo mato, o que seria
razoável desde que o urso também nascesse pelado.
Quando criança, folheei uma enciclopédia no escritório do meu
avô e, com a curiosidade de quem está com os hormônios despontando, encontrei
um estudo sobre a vida sexual dos índios. Não me lembro dos detalhes e nem das
tribos pesquisadas, mas havia a descrição de um rito de acasalamento, que devia
ser o nome pomposo para o que chamamos de preliminares. Se a memória não me
trai, parece que o índio puxava a índia pelos sovacos, não sei se pela frente
ou por trás, pouco importa, já que o difícil é agarrar alguém pelo sovaco,
ainda mais não tendo pelos.
Rio de Janeiro/RJ, 19 de janeiro de 2021
(primeira versão em julho/2019)
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