sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Biografia

Há uns dois dias, li a respeito de um escritor nórdico que escreveu o quinto volume de sua autobiografia. A incerteza dos dados se debe ao fato de que não estou localizando a reportagem, o que vou continuar buscando. Não se trataria de fato tão inusitado fosse o autor alguém com notoriedade que resolvesse compartilhar experiências de vida com seu público. Ocorre que, antes de publicar sua biografia, o escritor era um liustre desconhecido e sua fama veio com a divulgação de sua história. Não possui também uma saga tão extraordinária, mas, sim, capacidade incomum de cativar os leitores.

Me pergunto o que leva alguém a escrever sua própria história com a convicção de que será um best seller. Certamente, tinha confiança em sua capacidade de descrever uma vida comum, com tamanha destreza, que o interesse vem mais por seu estilo. Não é algo tão incomum. Alguns escritores despontaram no mercado editorial a partir de sua biografia, ou de parte dela.
José Mauro de Vasconcelos se tornou ume celebridade com seu delicioso romance autobiográfico “Meu Pé de Laranja Lima”, guindado à categoria dos clássicos nacionais. Lágrimas escorreram sobre as faces dos futuros leitores de Rosinha Minha Canoa, Arara Vermelha, Arraia de Fogo e mais uma vigorosa quantidade de romances. Quis o universo que sua existência fosse breve, talvez por isso tenha tido essa explosão de criatividade. Não haveria tempo a perder.
Tenho lido muitas biografias e consigo citar as últimas. Ao terminar a de Marighela, emendo na da Agatha Christie e em seguida na do Woody Allen, que ganhei hoje. Não dá para acreditar em Sérgio Moro, quando, no programa do Bial, perguntado se lia, respondeu que sim e que sua preferência era por biografia. Quando o entrevistador perguntou quais ele tinha lido, o cara de pau respondeu que tem a memória muito ruim e não se lembrava. Mesmo com a insistência de que bastava citar um, ele se recusou e disse que a memória é muito ruim mesmo. Não se lembrava de absolutamente nenhum livro. Esse cara é muito estranho. Tirou o processo do Lula do fim da pilha e julgou a toque de caixa. Botou o cara na cadeia e deu uma facilitada para o Bolsonaro ganhar a eleição. Virou ministro e pediu uma pensão especial para a família, caso viesse a morrer por conta do cargo. Foi tratado como estafeta de chefe tirano e, mesmo ganhando ingresso para ver jogo do Flamengo, com a camiseta por cima da camisa social, decidiu abandonar o barco. Depois, faturou um empregaço, uma sinecura, ganhando uma baba para ajudar na recuperação da Odebrecht e outras empresas que a Lava Jato quebrou, quando podia ter punido apenas os dirigentes. Sei não, acho que um sujeito que vive de expedientes não tem tempo para ler nada. Fica só maquinando o que vai armar para se dar bem. O cara é tão estúpido que podia ter dito que leu a biografia do Roberto Marinho, escrita pelo Pedro Bial, em um surto de puxasaquismo. A entrevista foi uma merda, mas eles se merecem. Não teria vergonha de dizer que assisti, mas não assiti mesmo. Só vi o trecho da memória de peixe.
Já li alguns livros do Paulo Coelho, mas ainda achava mais interessante as músicas que ele fez com Raul Seixas. Mas, melhor ainda, é a biografia dele – O Mago – que comprei por dois reais em uma barraquinha de rua. Aqulo não é vida, é delírio. Fico pensando como alguém sobrevive a tanta bagunça. E o cara sobreviveu, é conhecido no mundo inteiro, ficou milionário e tem a vida que muitos querem e poucos têm. Algumas biografias podiam ser livros de auto-ajuda. A dele é uma.
Li a biografia do Papa emérito Bento XVI. É o tipo de leitura que a gente começa já tendo spoiler, mas, mesmo se não tivesse, dava pra perceber que ele ia acabar virando papa, mesmo que só para dizer que chegou lá e depois encheu o saco. Gostei. Sério que gostei. Só achei que pela idade dele o livro poderia ter mais páginas. Gosto de biografias em tijolaços. Até a do Justin Bieber era maior. Acho que o papa pulou algumas partes, sabe-se lá porque. Na dúvida, prefiro achar que eram repetitivas, como devem ser os dias dos religiosos.
Biografia não precisa ser necessariamente séria. Dom Pedro I fez e aconteceu. Comeu um monte de gente, brigou com o pai publicamente e virou imperador, compôs o hino da independência, voltou para Portugal e virou Pedro IV, morreu novo com sífilis e mais um monte de doenças próprias de quem leva uma vida desregrada. A única biografia que li dele foi “As maluquices do imperador”,  de Paulo Setúbal. Dá pra rir até rachar.
Já ganhei algumas biografias de fundadores de empresas que visitei a trabalho. Achei elegante o gesto, com o biografado e comigo, mas não cheguei a ler tudo. Não deixei de lado, o que seria desconsideração, mas li trechos pinçados. Aprendi que todo mundo tem fatos interessantes em sua vida. Talvez até eu tenha, mas deixo que os outros descubram.
Sendo ateu, ainda assim me interessa saber como viveram os santos e li a Legenda Áurea. Recomendo e não entendo como pessoas tão beatas não tem interesse nisso. Os santos morriam quase sempre de forma trágica. Creio que era um símbolo de status. Dentada de leão no Coliseu, lança de romano e fogueira eram passaportes para a santidade. Morte morrida não dava prestígio, a não ser que o corpo fosse levado para os céus, por anjos bochechudos, de camisolinha e jogando pétalas de rosas.
Já pensei em escrever sobre minha vida, mas não sei se alguém ia querer ler. Aliás, sei sim. Minha filha e minha mulher vão querer. Mas vou escrever tudo, porque se escrever só as coisas boas vai ser um cordel. Mentira que acho isso, falei só para parecer humilde, mas não sou não. 
E você, o que acha da sua vida? Escreva sua biografia e você se conhecerá.

Rio de Janeiro/RJ, 15 de janeiro de 2021

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