Bom dia, tenho uma consulta
marcada para dez e meia. Pensei que ia me atrasar, mas ainda faltam cinco
minutos.
Pois não, o doutor também se
atrasou um pouco e o paciente das dez acabou de entrar. O senhor é o próximo.
Para não perdermos mais tempo, me dê a carteirinha do plano de saúde e a
identidade. Preencha também esta ficha com seus dados.
Mas, como assim? Como é esse “o
doutor também se atrasou”, se eu não me atrasei. O certo é dizer que o doutor
se atrasou, sem o também.
Está bem, senhor. O doutor se
atrasou. Agora podemos fazer sua ficha de consulta?
Pronto, aqui está. Será que ainda
vai demorar para eu ser atendido?
Creio que mais uns quinze ou
vinte minutos. Se quiser, tem água e café naquela bandeja. Posso mudar o canal da TV, se o senhor quiser.
Vou fumar um cigarro ali fora. Se
ele terminar antes de eu voltar e a senhora puder fazer o favor de me avisar,
agradeço.
Bom dia, doutor, disse apertando
a mão do médico enquanto entrava no consultório.
Bom dia para o senhor também.
Estranhei quando a atendente falou que estava fumando. Não é comum para alguém
que esteja reclamando de dificuldade de respiração.
Na verdade, não estava fumando.
Estava me masturbando.
Oras, oras. Exclama o médico com
seu linguajar de gente mais velha. Se masturbando no corredor de um edifício
comercial. O senhor está com algum problema?
Sim, há alguns dias sinto um
pouco de dor ao respirar, e como respiro o tempo todo, posso dizer que sinto um
pouco de dor o dia inteiro.
Não é a isso que me refiro. Perguntei
se está com algum problema porque o senhor foi se masturbar antes da consulta.
Mas, doutor, e para masturbar tem
hora certa?
É porque o senhor falou para a
atendente que ia fumar e...
Se o senhor, que é homem maduro,
ficou tão chocado, imagine se eu dissesse a ela que ia me masturbar?
Provavelmente ia achar que era um tipo grosseiro de cantada, o que não era, até
porque não achei nada de interessante nela, e, para falar a verdade, só reparei
que tem o rosto cheio de espinhas, o que para uma mulher daquela idade não pode
mais ser coisa de adolescente. Quem sabe ela também...
Já imaginando que tipo de bobagem
ia sair dali o médico interrompeu, enquanto passava álcool nas mãos e pegava o
estetoscópio.
Doutor, esse estetoscópio é tão
sujo assim? Não tem algum descartável? Hoje em dia tudo é descartável.
Que bobagem é essa, meu filho?
Por que o senhor acha que o estetoscópio está contaminado?
É porque o senhor passou álcool
nas mãos antes de pegá-lo.
Não me leve a mal, mas passei
álcool porque lhe cumprimentei logo após o senhor se masturbar.
Mas eu limpei as mãos.
Me desculpe, mas o senhor me
cumprimentou assim que entrou no consultório, sem passar pelo banheiro.
E para limpar as mãos precisa ser
necessariamente no banheiro? Trago sempre comigo lenços umedecidos, pois
transpiro muito e esta cidade é um forno.
Não vi o senhor com nenhum lenço
nas mãos e nem jogando nada no cesto de papéis da recepção.
Joguei dentro da caixa de
incêndio no corredor. Aquela com porta de vidro e com uma mangueira enrolada.
Se o senhor reparar, o vidro tem uma aberturinha nos cantos e por ali costumo
jogar o lenço usado.
Como assim, “costumo jogar o
lenço usado”? O senhor costuma se masturbar nos corredores?
Se o senhor prestasse mais
atenção, ia se lembrar que falei que transpiro demais, e quando tiro o suor do
rosto preciso jogar o lenço usado em algum lugar.
Tá bom, tá bom, já entendi. Mas,
me diga, porque o senhor resolveu se masturbar logo agora, mesmo que não tenha
hora certa para isso?
Quando a moça falou que a consulta
ia atrasar, fiquei um pouco ansioso. E quando fico ansioso, a melhor maneira de
relaxar é me masturbando. Doutor, não sou maníaco sexual, se é que o senhor
possa estar pensando isso. Não se preocupe. Me acho mais normal do que quem
lança mão de remédios para se acalmar. Pelo menos uso um método natural.
Mas quando o senhor demonstra
intimidade com as caixas de incêndio dos prédios, como sendo o lugar ideal para
guardar os lencinhos usados, pensei se é mesmo só para quando limpa o suor.
O senhor acertou. Sempre que
deixam esperando, fico ansioso e tenho que me aliviar. Aqui na avenida tem uma
representação da marca do meu relógio e é o único lugar onde posso trocar a pulseira
ou a bateria. Chego lá, pego uma senha e não tenho a menor noção de quando vou ser
chamado. Como a porta fica aberta, dá para ver do corredor quando está chegando
minha vez. Já precisei repetir a dose algumas vezes.
O doutor é mesmo sagaz. Isso é
bom para um médico. A chance de descobrir logo o que o paciente tem é bem
maior. Às vezes o senhor pode não ser bem compreendido, principalmente por
pacientes de plano de saúde, que vão achar que a consulta foi rápida porque os
honorários do convênio devem ser baixos.
Realmente, às vezes me pergunto
por que atendo convênios. O que recebo é uma ninharia perto de uma consulta
particular. Talvez seja uma forma de me manter atualizado e descobrir novos
tratamentos.
Se estou entendendo, nós os
pacientes de convênio somos uma espécie de cobaia?
De onde tirou essa ideia, meu
filho? Estou dizendo que a maior quantidade de pacientes me faz ver sintomas
diversos e reações individualizadas aos medicamentos. Ao invés de cobaia, como
o senhor insinuou, o paciente de convênio acaba sendo um felizardo. O seu caso,
por exemplo, é digno de exame mais acurado. Não pelo pulmão, mas pela forma
como o senhor cuida da sua ansiedade.
Mas não vim aqui tratar de
ansiedade. Vim tratar de problemas respiratórios.
Sei disso, mas quem falou que o
paciente pode ser tratado por partes? As pessoas não são como carros, que podem
ter suas peças consertadas sem afetar as demais. Se o senhor se queixa de dor
para respirar e se masturba para se acalmar, alguma ligação deve ter. Ou quando
se masturba para de respirar ou então quando não respira se masturba. Temos que
examinar isso.
Doutor, não é nada pessoal, mas
não vou conseguir me masturbar aqui, na sua frente. E não adianta pedir para a
espinhenta me ajudar, porque talvez seja pior.
Não seja estúpido, criatura. Não
ia lhe pedir isso, mas creio que podemos experimentar alguma medicação leve que
o faça relaxar. Pela auscultação não encontrei nada de errado com seus pulmões.
O senhor não fuma, não é? Isso é bom, porque geralmente os ansiosos fumam, e
muito.
Se o doutor tiver pacientes
assim, pode recomendar que se masturbem. O senhor não falou que a vantagem de
atender convênios é observar maior variedade de sintomas e tratamentos? Quem
sabe não cria um método de cura com meu nome?
Uma curiosidade: quando se
masturba, nos cantos dos corredores, nas escadas de incêndio, cuidando para não
ser visto, dá para pensar em algo excitante?
Se o senhor se refere a alguma
mulher ou cena sexual, esteja certo que não. É só mesmo o movimento físico e a
vontade de ser liberado da obrigação. É mais ou menos como o sexo no casamento.
Entendi. Creio que no seu caso a
ansiedade está causando essa dor ao respirar. Vamos tentar esse fitoterápico à
base de valeriana. Até o sabor é bom. O senhor volte daqui a duas semanas e nem
precisa constar como consulta. Será uma revisão desta. Vamos marcar uma hora
depois do último horário, para ter certeza de que não vai haver atraso e a
possibilidade de uma recaída. Até porque nesse horário o segurança do prédio
faz a ronda nos corredores, se é que o senhor me entende. Não há de que. Tenho
certeza de que sua respiração vai melhorar muito. Até daqui a duas semanas.
Do interfone, orienta à
atendente: peça para o próximo paciente aguardar meia hora e, por favor,
consiga para mim uma caixa de lenços umedecidos.
Rio, dezembro de 2019