Seis e meia da tarde, excepcionalmente pontual, escolho uma
das incontáveis mesas vazias para aguardar os parceiros da sinuca, que o
trânsito certamente contribuiria para fazê-los surgir quando já acreditasse que
haviam tomado outro rumo.
Curiosamente, quase todas as mesas estavam juntas em grupos
de dez ou mais. Mas a angústia de encontrar um garçom, pois em bares vazios se
interessam mais pela maldita televisão do que pelos fregueses, me fez desistir
de decifrar a razão das mesas estarem mais unidas do que fumante em intervalo
de reunião.
Finalmente servido e procurando alguma coisa para matar o
tempo, observo a invasão do bar em grandes grupos de pessoas, com jeito de quem
saiu do trabalho e carregando embrulhos em papel de presente.
Meu Deus! Confraternizações de fim de ano! Não uma, nem duas,
mas oito ou mais. Não podíamos ter escolhido pior lugar para ir naquele dia.
Até para os lados das mesas de sinuca já avançavam os miseráveis.
Já passava um pouco das sete quando os dois sacanas chegaram,
tentando justificar o injustificável. Demoraram mais do que o previsto para
sair do trabalho. Detalhe: Não suportam o emprego, mas sentem um peso na
consciência em sair no horário.
Ainda bem que uma das mesas de sinuca estava livre, pois do
contrário nada haveria a fazer que não fosse aguardar em meio à algazarra que
os grupos faziam.
Mas não era uma bagunça saudável, muito menos espontânea. As
cadeiras eram ocupadas de acordo com a ordem de chegada, o que não garantia o
respeito à afinidade.
Aí o barulho aumentava, pois as conversas, não raro, se davam
entre ocupantes de lados opostos nas gigantescas mesas, ignorando solenemente o
vizinho.
Na abertura dos presentes, precedida das grotescas tentativas
de descrever quem era seu amigo oculto, a situação me fazia pensar seriamente
em homicídio.
A gritaria de todos, a cada abertura de pacote, mesmo sem ver
o que era, transpirava insanidade. Não eram gritos, mas urros como em uma
assembleia de bárbaros.
A pantomima era culminada com a expressão nada convincente de
gratidão, acompanhada da indefectível menção da pertinência do presente, de
como havia adivinhado e outras amorosas e justificáveis mentiras do gênero.
Em nossa mesa, de sinuca, o clima parecia de guerra; tantas e
tamanhas eram as baixarias que lançávamos uns sobre os outros. Não só sobre
esta ou aquela jogada mal feita, mas sobre a aparência, a honestidade das
mulheres de cada um, a duvidosa masculinidade,
os vícios, o português mal falado, enfim, inventava-se defeitos para
justificar as agressões.
Aos olhos de um observador menos atento, a pancadaria não
tardava a começar, mas ao invés disso cada desaforo era acompanhado de um
abraço ou de uma sincera gargalhada, ou até dos dois.
E tome cerveja! Tanto para nós quanto para os grupos de
confraternização, com a diferença de que lá já se avistava um ou outro
deprimido, outros com cara de enfado e alguns fazendo confidências ou desabafos
entre lágrimas. Ali o álcool quebrava a barreira social que impede a
transformação de uma empresa em praça de guerra, enquanto para nós servia
para sacramentar um sentimento de fraternidade cada vez mais evidente.
Saímos, tarde da
noite, e, enquanto caminhávamos para o metrô, não pude deixar de notar
moradores de rua compartilhando o papelão que serve de cama e o trapo que
protege do sereno. Companheiros na desgraça humana, mas, antes de tudo,
solidários.
De tudo fica alguma coisa, e nem sempre é só a ressaca. No
dia seguinte, com aquele gosto de corrimão do INSS na boca, a certeza de que o
verdadeiro amigo é aquele que compartilha de suas alegrias, de suas incertezas.
É aquele que ri de suas desgraças, até como forma de minimizá-las. E se não as
minimizam, divide-as e faz com que se tornem suportáveis.
O verdadeiro amigo é aquele que, por inúmeras razões, pode
não estar com você sempre, mas nunca deixará de ser seu amigo.
O verdadeiro amigo é aquele que você sempre saberá que
existe. Ainda que não visto, ainda que distante, é aquele com que você sabe que
pode contar.
O verdadeiro amigo é aquele que você identifica como tal.
Pode até ser discreto, mas se é oculto não é amigo!
Rio, 2008
Rio, 2008
*Crônica selecionada na categoria
Prosas do Concurso Gente de Talento 2008, publicada no livro Gente de Talento –
O Valor da Amizade – Caixa Econômica Federal (2009).