quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Fui promovido, e agora?

 

Leonardo foi aprovado em um concurso público. Passou para a caixa! Leonardo se destaca e é apontado como a promessa da empresa. Outras expressões marcam sua trajetória: revelação, estrela, talento e tudo o que possa mantê-lo no caminho do sucesso. As metas não o assustam. Citado como exemplo, torna-se ameaça àqueles que ponderam sobre o ritmo estipulado de produção e prazo. Leonardo aprende que questionar é o caminho mais curto para a estagnação da carreira. Jamais será como um daqueles ultrapassados, pensa. Se muitos fizeram pela Caixa, agora é a nossa vez. Vamos lá, Leonardo! – A juventude tem sangue a ousadia. Faça a diferença! Assim você chega lá! Você só precisa continuar sendo efetivo. E Leonardo é promovido! Como era de se esperar, ocupou o lugar de um “acomodado”. Ele tornou-se Gerente! E agora, Leonardo? A vida dele muda! Uma estranha estrutura salarial faz com que sua renda triplique da noite para o dia. Ele desengaveta seus sonhos e o casamento é o primeiro. Diz o dito popular que quem casa quer casa. E Leonardo agora tem renda para financiar o imóvel dos seus sonhos. Nada exorbitante, mas e fundamental que tenha um quarto para o bebê, que já está a caminho, e uma garagem para o carro novo. Leonardo nunca imaginou que o salário de gerente comportasse tantas prestações. Leonardo agora tem motivos para ser mais cauteloso, e as histórias de colegas que tiveram suas carreiras interrompidas fazem com que modere sua forma de agir. Para o sistema, Leonardo “tirou o pé do acelerador”, e isso é imperdoável. Leonardo é chamado para um “ponto de controle”. - A aposta foi alta e você não pode decepcionar. O recado foi dado, e Leonardo entendeu direitinho. E agora, Leonardo? Seu filho e sua mulher dormem. No silencio da madrugada você não consegue pensar em nada que não seja o medo de perder o que conquistou. Se deixa de ser gerente, seu salário mal da pra pagar o condomínio e a creche. E agora, Leonardo? Leonardo decide que vai continuar a ser o profissional que a empresa espera, mas sem fazer qualquer loucura.    Comenta com seus superiores, que o apoiam de forma entusiasmada. – É isso mesmo, Leonardo! Não é para fazer errado, mas... é para fazer! – Ah Leonardo! Só  para lembrar que a empresa decidiu que o ano termina em outubro e as metas para o último trimestre foram aumentadas. Você terá que fazer mais em menos tempo. Contamos com você! Use sua criatividade! Leonardo foi criativo. Fez o que não devia e não fez o que devia. Leonardo não é mais gerente. Os empréstimos de Leonardo estão inadimplentes. Possivelmente perderá casa, o carro e o emprego tão sonhado. Já perdeu o respeito dos colegas e dos chefes, que se dizem traídos. – Esse menino sempre foi muito vaidoso. Ia acabar mesmo aprontando alguma. Não há nada de tão ruim que não possa piorar. Leonardo é réu em processo criminal. A historia de Leonardo é fictícia, mas muitos de vocês devem estar jurando que conhecem o personagem. É natural. Há algum tempo muitos Leonardos foram criados  por conta da priorização de resultados a qualquer preço. Na iniciativa privada há uma forma nefasta para essa forma de agir. O CEO é contratado a preço de ouro, com bônus sobre o resultado. É estabelecido um prazo mínimo de permanência na empresa e a quebra do contrato é regiamente indenizada. No primeiro ano, o resultado é surpreendente. As metas são absurdas e os investimentos postergados. Pagamentos a fornecedores são atrasados, não há contratação e reposição de empregados. Os números fazem a alegria de controladores e acionistas. A bonificação do CEO é polpuda e incontestável. Não existe almoço de graça e a conta chega no ano seguinte. O custeio já não permite adiamento e as operações mal sucedidas afetam negativamente os resultados. O salvador da pátria é dispensado e, por conta de cláusula contratual, embolsa polpuda indenização. Negócio bom, não é? Quem paga a conta? Os acionistas, é claro! No IBGC – Instituto Brasileiro d Governança Corporativa somos orientados a agir de forma a não permitir estas ocorrências nas empresas em que participamos do Conselho de Administração. Quando detectada a manobra acima, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM , que defende os interesses dos acionistas e a saúde financeira do mercado de ações, impõe pesadas multas à empresas pelas operações mal sucedidas. Para se safar, a organização apresenta sua estrutura de conformidade e alega que os prejuízos foram causados por ação individual, já que nunca houve ordem para burla das regras estabelecidas. Em muitos casos a multa é reduzida e o dirigente sai como enganado em sua boa fé. Mas, e na empresa pública qual a motivação, já que não há bônus sobre resultados? Podemos falar em vaidade? Não será o prestígio um bem valioso? Afinal, nem sé de pão vive o homem. Trazendo Leonardo de volta, no setor público a coisa é um pouco mais pesada, apesar de não haver sanção da CVM. Como tratamos com recursos públicos, o assunto não pode ser resolvido de forma caseira. A existência de prejuízo  obriga o oferecimento  de notícia crime que, cada vez mais frequentemente, deságua em ação criminal na Justiça Federal. O judiciário, ainda que independente, por vezes parece render-se à opinião pública formada pela mídia, que exige procedimentos espetaculares para alavancar suas vendas. Na Caixa, a existência de uma estrutura de governança corporativa tem livrado o dirigente de ações cometidas por empregados. O que os Leonardos fizeram é problema deles. Ninguém mandou fazer errado e jamais se suspeitou que as coisas não estivessem andando na linha. Incontestável? Até então sim, mas talvez haja luz no fim do túnel. Durante o X Fórum Nacional de Prevenção a Crimes Econômicos, indaguei ao Procurador Geral da República Artur Gueiros, que proferia brilhante palestra  sobre “ Compliance Criminal: Atribuições de Responsabilidade Individual nos Crimes Empresariais”, se quando a direção de um banco, a despeito histórico de resultados, aumenta substancialmente a meta e exige seu cumprimento em prazo exíguo, não está estimulando a ousadia de seu corpo funcional a ponto de por em risco a segurança das operações? E quando estes resultados são apresentados, em total dissonância ao histórico de resultados, não seria de se esperar uma análise mais aprofundada dos métodos utilizados? Para minha satisfação, o representante do Ministério Público Federal assentiu e deu a entender que é uma tese passível de ser desenvolvida. O país vive um momento crítico. A  sociedade aturdida endossa ações que possam vir a quebrar regras do estado de direito. O arrolado, que na definição do normativo interno é definido como “incluído no Processo Disciplinar e Civil, na condição de provável responsável por irregularidade ocorrida na vigência do contrato laboral”, hoje é visto como propenso fraudador contra quem devem ser adotadas medidas extremas de preocupação. É possível medir a extensão dos danos causados ao empregado? Certamente que não. Este será sempre credor de reparação. 


Publicado no Jornal da FENAG em 2015 (atual até hoje)

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