quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Séries

 

De tantos males que atribuem à televisão, dá para acreditar que o diabo a inventou. Sedentarismo, desagregação da família, alienação mental, problemas de visão, de audição, enfim, tudo o que se pode  pensar de ruim, a televisão tem parte nisso. Exageros à parte, de fato, não é de todo errado pensar assim. Há mais de dez anos não sei o que é assistir a um programa de televisão. O aparelho continuo tendo, mas para ver filmes, vídeos no Youtube, noticiário independente, putaria e... séries.

Sim, é isso mesmo. Antigamente as pessoas assistiam novela e tinham vergonha de dizer. A desculpa mais esfarrapada era a de que estava passando pela sala e deram uma olhadinha rápida no que estava passando, da mesma forma como faziam com o programa do Silvio Santos, aquele recordista em anos puxando saco de presidentes, eleitos ou não.

Mas, voltando às séries, parece que temos a sucessora legítima das novelas. A vantagem é que a gente faz nosso próprio horário. Não dá para maratonar uma novela, tipo ficar o fim de semana inteiro assistindo. Novela é compromisso, geralmente em horário em que as pessoas já estão meio abestadas com o Jornal Nacional, ou, se for no horário das seis (que nunca começa às seis), já vai apalermada para o noticiário televisivo.

A variedade de séries é enorme. Dá para escolher pelo tema ou mesmo pelo elenco. As que assisto, levo em conta o tamanho. Não me animo a entrar em uma série que já está na quinta temporada, com quinze episódios cada, com uma hora de duração. Já fiz isso com Breaking Bad. Suits e Crown. Entrei no começo, então não tive como escapar depois. Virei uma espécie de cúmplice e não quis abandonar no meio do caminho.

O pior da série é a cobrança que nos fazem, quando ainda não assistimos àquela que nos foi indicada. Quase sempre, a reação de incredulidade faz pensar que cometemos um crime, ou, no mínimo, um sacrilégio. Tem uma coisa interessante, que já reparei, é que quando alguém nos pergunta se assistimos tal série, e dizemos que “ainda” não (o ainda é para garantir um tratamento civilizado e não ser encarado como um ET), o interlocutor deixa de ouvir nossa preferência. Se a desculpa dada foi a de que estamos assistindo outra, há o risco de ouvir que esta série é horrível. As poucas vezes que sugeri uma série, acabei escutando que é ruim, mal feita e por aí vai. Me sentindo no direito de fazer uma simples perguntinha, indago se a pessoa já assistiu, para criticar com tanta propriedade. A resposta é sempre não, com a justificativa de que não assiste porcaria. Queria ter essa percepção, de saber como as coisas são sem ao menos experimentar.

É claro que isso não se aplica às eleições. Votar em candidato historicamente ruim, com a ilusão de que precisamos dar uma chance a nós mesmos é mais grave do que assistir a uma série de humor dirigida pelo Carlos Alberto de Nóbrega, da Praça é Nossa. É a certeza de fazer uma péssima escolha.

As séries, assim como as novelas, tem grande poder de influência. Se ainda não fiz tudo o que vi nas séries, foi por falta de ousadia. Não me vejo fabricando metanfetamina ou traficando cocaína. Talvez não leve jeito para a coisa. Minha filha tem uma capacidade incrível de identificar os artistas através de outros trabalhos, mesmo que seja de anos atrás. Ela vê o personagem e logo diz onde ele trabalhou. Não me serve muito, porque as referências anteriores não conheço ou não assisti, mas acho interessante quando ela diz que a vovó de uma série foi piranha em um filme, ou quando identifica um padre que já fez papel de serial killer. Nas séries brasileiras, volta e meia ela acha alguém que trabalhou na Malhação. Aliás, Malhação tem tantos anos que é difícil achar quem não trabalhou lá. Até a Suzana Werner fez o episódio de despedida com a presença do Ronaldo, ex-jogador de futebol e hoje gordo. Não sei o que ele faz agora, então para mim a referência é simplesmente gordo, o que em tempos de quarentena não é a melhor referência para identificação.

A série da rainha, Crown, é considerada a mais cara das produzidas pela NETFLIX. Nunca entrei no Palácio de Buckingham, mas tenho certeza de que é exatamente igual ao que aparece na série. Em tempos de dureza, será que a NETFLIX não molhou a mão de alguém da família real para fazer as tomadas no local? Aquele príncipe herdeiro não faz nada. Deve ser fácil corromper o orelhudo. Qualquer coisa, ele diz que é estímulo à arte. De quem acha que caça à raposa é tradição cultural a gente pode esperar tudo.

Existe uma série catalã, chamada Merli, que conta a história de um professor de filosofia que tem o nome da série. É boa, tem duração limitada, os artistas são bons, Barcelona é maravilhosa, ou seja, tem tudo para maratonar, mas alguma coisa me impede de assistir tudo. Talvez encontre resposta na filosofia, mas aí deve ser mais fácil continuar vendo a série.

Série não é uma coisa assim tão recente. Já existiu Perdidos no Espaço, Zorro, Batman, A Feiticeira e Jeannie é um gênio. Estas duas eram concorrentes. Havia quem gostasse da bruxa e outros gostavam da gênio que morava na garrafa. Jeannie ganhava pela sensualidade. Usava roupa de piriguete e tinha comportamento de piriguete. Se esfregava no marido, mas quase sempre era para ele fazer alguma coisa. Nunca entendi por que alguém que tem tanto poder precisa usar de artifício para conseguir algo>

As séries demoram muito para retratar fatos. Pablo Escobar  morreu há anos e só recentemente foi feita a série com a vida dele. Tudo bem que Bolívar não podia ter sido lançada na época em que viveu. Nem televisão tinha naquele tempo, mas alguns acontecimentos já podiam virar série. A pandemia é fato recente e já tem nome de série. Não precisa nem quebrar a cabeça e nem traduzir para o Brasil. Se fosse no SBT, o patrão ia botar algum título bizarro, como “A ameaça comunista” ou outro que puxasse o saco do presidente negacionista.

E por falar em pandemia , penso que essa praga serviu para turbinar a indústria das séries. Não sei se os artistas vão se contaminar, se haverá perdas no elenco, se a audiência vai se rebelar, enfim, tudo é muito indefinido. A vida é indefinida, assim como as séries. Vamos continuar vivendo, sem especular se vai haver nova temporada. Não vamos maratonar. O melhor é deixar que as coisas corram no seu tempo. No final, a gente decide se vale a pena continuar. Geralmente vale.

 

Rio de Janeiro/RJ, 07 de janeiro de 2021




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