Sim, é isso mesmo. Antigamente as pessoas
assistiam novela e tinham vergonha de dizer. A desculpa mais esfarrapada era a
de que estava passando pela sala e deram uma olhadinha rápida no que estava passando,
da mesma forma como faziam com o programa do Silvio Santos, aquele recordista
em anos puxando saco de presidentes, eleitos ou não.
Mas, voltando às séries, parece que
temos a sucessora legítima das novelas. A vantagem é que a gente faz nosso
próprio horário. Não dá para maratonar uma novela, tipo ficar o fim de semana
inteiro assistindo. Novela é compromisso, geralmente em horário em que as
pessoas já estão meio abestadas com o Jornal Nacional, ou, se for no horário
das seis (que nunca começa às seis), já vai apalermada para o noticiário
televisivo.
A variedade de séries é enorme. Dá
para escolher pelo tema ou mesmo pelo elenco. As que assisto, levo em conta o
tamanho. Não me animo a entrar em uma série que já está na quinta temporada,
com quinze episódios cada, com uma hora de duração. Já fiz isso com Breaking
Bad. Suits e Crown. Entrei no começo, então não tive como escapar depois. Virei
uma espécie de cúmplice e não quis abandonar no meio do caminho.
O pior da série é a cobrança que
nos fazem, quando ainda não assistimos àquela que nos foi indicada. Quase
sempre, a reação de incredulidade faz pensar que cometemos um crime, ou, no
mínimo, um sacrilégio. Tem uma coisa interessante, que já reparei, é que quando
alguém nos pergunta se assistimos tal série, e dizemos que “ainda” não (o ainda
é para garantir um tratamento civilizado e não ser encarado como um ET), o
interlocutor deixa de ouvir nossa preferência. Se a desculpa dada foi a de que
estamos assistindo outra, há o risco de ouvir que esta série é horrível. As
poucas vezes que sugeri uma série, acabei escutando que é ruim, mal feita e por
aí vai. Me sentindo no direito de fazer uma simples perguntinha, indago se a
pessoa já assistiu, para criticar com tanta propriedade. A resposta é sempre
não, com a justificativa de que não assiste porcaria. Queria ter essa percepção,
de saber como as coisas são sem ao menos experimentar.
É claro que isso não se aplica às
eleições. Votar em candidato historicamente ruim, com a ilusão de que
precisamos dar uma chance a nós mesmos é mais grave do que assistir a uma série
de humor dirigida pelo Carlos Alberto de Nóbrega, da Praça é Nossa. É a certeza
de fazer uma péssima escolha.
As séries, assim como as novelas, tem
grande poder de influência. Se ainda não fiz tudo o que vi nas séries, foi por
falta de ousadia. Não me vejo fabricando metanfetamina ou traficando cocaína. Talvez
não leve jeito para a coisa. Minha filha tem uma capacidade incrível de
identificar os artistas através de outros trabalhos, mesmo que seja de anos
atrás. Ela vê o personagem e logo diz onde ele trabalhou. Não me serve muito, porque
as referências anteriores não conheço ou não assisti, mas acho interessante
quando ela diz que a vovó de uma série foi piranha em um filme, ou quando
identifica um padre que já fez papel de serial killer. Nas séries brasileiras,
volta e meia ela acha alguém que trabalhou na Malhação. Aliás, Malhação tem
tantos anos que é difícil achar quem não trabalhou lá. Até a Suzana Werner fez
o episódio de despedida com a presença do Ronaldo, ex-jogador de futebol e hoje
gordo. Não sei o que ele faz agora, então para mim a referência é simplesmente
gordo, o que em tempos de quarentena não é a melhor referência para
identificação.
A série da rainha, Crown, é considerada
a mais cara das produzidas pela NETFLIX. Nunca entrei no Palácio de Buckingham,
mas tenho certeza de que é exatamente igual ao que aparece na série. Em tempos
de dureza, será que a NETFLIX não molhou a mão de alguém da família real para
fazer as tomadas no local? Aquele príncipe herdeiro não faz nada. Deve ser
fácil corromper o orelhudo. Qualquer coisa, ele diz que é estímulo à arte. De
quem acha que caça à raposa é tradição cultural a gente pode esperar tudo.
Existe uma série catalã, chamada
Merli, que conta a história de um professor de filosofia que tem o nome da
série. É boa, tem duração limitada, os artistas são bons, Barcelona é
maravilhosa, ou seja, tem tudo para maratonar, mas alguma coisa me impede de assistir
tudo. Talvez encontre resposta na filosofia, mas aí deve ser mais fácil
continuar vendo a série.
Série não é uma coisa assim tão
recente. Já existiu Perdidos no Espaço, Zorro, Batman, A Feiticeira e Jeannie é
um gênio. Estas duas eram concorrentes. Havia quem gostasse da bruxa e outros
gostavam da gênio que morava na garrafa. Jeannie ganhava pela sensualidade. Usava
roupa de piriguete e tinha comportamento de piriguete. Se esfregava no marido,
mas quase sempre era para ele fazer alguma coisa. Nunca entendi por que alguém
que tem tanto poder precisa usar de artifício para conseguir algo>
As séries demoram muito para
retratar fatos. Pablo Escobar morreu há anos
e só recentemente foi feita a série com a vida dele. Tudo bem que Bolívar não
podia ter sido lançada na época em que viveu. Nem televisão tinha naquele
tempo, mas alguns acontecimentos já podiam virar série. A pandemia é fato
recente e já tem nome de série. Não precisa nem quebrar a cabeça e nem traduzir
para o Brasil. Se fosse no SBT, o patrão ia botar algum título bizarro, como “A
ameaça comunista” ou outro que puxasse o saco do presidente negacionista.
E por falar em pandemia , penso que
essa praga serviu para turbinar a indústria das séries. Não sei se os artistas
vão se contaminar, se haverá perdas no elenco, se a audiência vai se rebelar,
enfim, tudo é muito indefinido. A vida é indefinida, assim como as séries.
Vamos continuar vivendo, sem especular se vai haver nova temporada. Não vamos
maratonar. O melhor é deixar que as coisas corram no seu tempo. No final, a
gente decide se vale a pena continuar. Geralmente vale.
Rio de Janeiro/RJ, 07 de janeiro de
2021
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