segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Faustão

Hoje, leio nos jornais que o apresentador Fausto Silva deixará a Globo no fim de 2021. Segundo a emissora, a iniciativa foi do ex-gordo e atual sem-graça. Conheci Fausto Silva quando ainda não era Faustão, tinha um programa noturno, no meio da semana, na TV Gazeta, inicialmente, e em seguida na Record, quando ainda não era o braço televisivo da Igreja Universal do Reino do Capeta. 


Era um programa verdadeiramente espontâneo, talvez até por necessidade. A falta de patrocinadores robustos não permitia grandes gastos e a ausência de cenário deslumbrante, bailarinas e elenco de peso era compensada pela capacidade de improviso de Fausto, este, sim, de peso. O nome Perdidos na Noite tinha tudo a ver. Não que eles estivessem perdidos naquela hora, mas os telespectadores, que só devem ter parado ali ao acaso. Uma das piadas de maior sucesso era quando ele dizia que na Globo ia começar um filmaço, para que quem quisesse assistir não perdesse o início. Desnecessário dizer que ninguém mudava de canal. O humor inusitado prendia o público, menor que o da Globo, mas, certamente, mais antenado (naquela época as televisões tinham antenas). 


O auditório era composto de gente como a gente, que não está ali para ver artistas globais. Alguém deve ter começado a mostrar cartazes e logo a brincadeira pegou. A câmera focava os mais engraçados, mesmo que fosse de humor politicamente incorreto. Por falar em político, em 1985 o presidente eleito indiretamente ainda não havia tomado posse por conta de uma série de infecções abdominais que o levariam a morte, depois de trapalhadas de médicos vaidosos e midiáticos. Este assunto deixava o Brasil tenso. O drama, que por si só já era forte, ganhava corpo com as transmissões do Antônio Britto, porta voz do primeiro governo civil depois de duas décadas verdes, diretamente do Hospital das Clínicas. Em uma noite, Paulinho da Viola foi ao Perdidos da Noite e, quando viu um dos cartazes, pegou um pedaço de papel e uma caneta para escrever os dizeres irreverentes: “Este programa está pior do que o intestino do Tancredo”.  Assim era o clima do Perdidos na Noite.


Depois de duas emissoras pequenas, o Perdidos ganhou notoriedade e foi para a Bandeirantes, onde começou a se pasteurizar. O cenário, que era legitimamente avacalhado, ganhou roupagem de improviso de butique, com escadas e objetos meticulosamente colocados paradar a impressão de que o improviso continuava. Ficou com jeito de roupa de jeca em quadrilha de colégio de classe média alta.Os cartazes eram feitos pela produção, em papelão colorido em recortados em formatos caprichados. Os dizeres eram tão ruins que não me lembro de nenhum.


Após o estágio de burguesia, a Globo arrebatou o Faustão, que é como ele próprio se denominava. Aí, o que estava ficando ruim piorou de vez. O cara virou um chato, careta, puxa-saco, enfim, tudo aquilo que a Globo consegue fazer com quem se dispõe a passar por isso, e ele parecia estar feliz em vender a alma ao diabo. (É a segunda vez que falo dele aqui, do capeta, não do Faustão. Vou fechar bem a janela antes de dormir. Vai que o chifrudo ache que estou querendo conhecer a fornalha)


Para não falar o nome pela terceira vez, acho que a negociação feita com aquele sujeito com cheiro de enxofre funcionou. O agora Faustão nunca viu tanto dinheiro na vida. Engordou, emagreceu, engordou de novo e emagreceu idem. Casou e descasou mil vezes. Frequentou Miami como se lá fosse um lugar interesante. Virou garoto-propaganda. Só não falou em política porque Luciano Huck chegou primeiro.


Não assisto televisão há anos. Creio que só devo ter visto o tal Domingão do Faustão umas duas ou três vezes, e não mais de cinco minutos. Soube de uns quadro bizarros, como o de um portador de nanismo que ele apelidou de Latininho, mas nunca cheguei a ver.


Antes, as pessoas se deprimiam no domingo à noite quando ouviam a música do Fantástico. Com o Faustão, a depressão começa mais cedo, com aquele vozeirão ecoando nos corredores.


Ainda me protejo sob a guarda da Netflix, da Amazon Prime e outras. Espero que esse sujeito não venha se aventurar nos canais de streaming. Ô Lôco Sô!



Rio de Janeiro/RJ, 25 de janeiro de 2021


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