sábado, 16 de janeiro de 2021

Capitólio

Há pouco mais de uma semana, poucos brasileiros sabiam que Capitólio é a sede do legislativo estadunidense. Antes que me critiquem por pedantismo, porque não usei a expressão americano, que é como nos acostumamos a chamar os cidadãos dos Estados Unidos, estou apenas exercitando minha identificação com os irmãos da América Latina, que também usam o termo estadunidense. Chamar os vizinhos do norte de americanos é descaracterizar nossa própria existência. Se apenas eles são americanos, o que somos nós?


Quando as primeiras notícias do dia seis de janeiro deram conta de que havia confusão no Capitólio, inclusive com mortes, o desespero tomou conta dos parentes de quem estava passeando lá pelas bandas da Serra da Canastra, na mais recente coqueluche do turismo mineiro, também chamada de Capitólio. Minas Gerais tem mais afinidade com os Estados Unidos do que o Bolsonaro, que faz continência para a bandeira deles. Minas tem Governador Valadares, o maior polo exportador de motoristas de limousines e baby sitters do Brasil, tendo os Estados Unidos como o principal parceiro comercial.


A praia de Minas, que é como nossa Capitólio é conhecida, recebe um bocado de gente, principalmente no verão. Na falta de hotéis, transformaram escolas, lojas e casas de família em pousadas. Pousada é aquele estabelecimento que não segue as regras rígidas do hotéis. Pousada sem banheiro no quarto anuncia que é a experiência de se sentir em uma típica casa mineira. Se não tem café da manhã diz que é a oportunidade para provar as delícias das padarias mineiras. Se não dá desconto na baixa temporada é para conhecer a pãodurice do mineiro, que anda com um escorpião no bolso para não precisar enfiar a mão. Isso é para pousada, mas, quando não tem nem isso, é só mudar o nome para hostel.


Capitólio pode ser toda essa bagunça, mas por uma boa razão. Quem encara a aventura encontra natureza encantadora e o carinho do povo mineiro. Não vai se arrepender. Agora, quem foi ao Capitólio, sede do legislativo dos Estados Unidos da América, assistir  a homologação de Joe Biden como novo presidente da república, quebrou a cara, literalmente, porque a porrada correu solta por lá. Quem imaginaria que a consagração do momento sublime da democracia fosse sabotada por ordem de quem chegou ao poder graças a ela.


O Capitólio estadunidense existe há mais de duzentos anos, possui simbologia maçônica e representa a vontade soberana do povo. Aquí, temos o prédio do Congresso Nacional, com sessenta anos e as linhas disruptivas de Oscar Niemeyer. Não tem nada a ver com a maçonaria, mas os bodes já influenciaram em muito do que ali foi discutido.


Temos uma democracia capenga, que se reconstrói a cada espaço de tempo, tateando como um bebê inseguro, com receio de caminhar. Quando pensamos que as coisas engrenaram, temos manifestações ditas populares, manipuladas por grupelhos de péssimas intenções, golpe parlamentar, eleições influenciadas por mentiras espalhadas nas redes sociais, através de empresas especializadas em ações ilegais. 


Quando buscamos a paz social, elegemos maníacos que insuflam a discórdia agressiva entre brasileiros. Quem bate no peito para gritar o lema da bandeira “Ordem e Progresso”,  desconhece que, como nos inspiramos de forma abreviada, na frase do filósofo francês Auguste Comte: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”, nosso lema deveria ser “Amor, Ordem e Progresso”. 


Como deturpam o sentido de Ordem e de Progresso, difícil seria fazer entender o sentido de Amor.



Rio de Janeiro/RJ, 16 de janeiro de 2021.


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