quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Sozinho

Acabo de ler um texto curto e inspirado, sobre a arte de ficar sozinho. O nome do artigo é “Ficar sozinho nunca foi um problema para mim” e o autor é o Professor Marcel Camargo, que não conhecia.  O blog Resiliência Mag é depositário de seus textos, o que é uma ideia maravilhosa e que há um tempo comecei a fazer também. Criei o blog O Piso Molhado, mais para guardar o que escrevo do que para causar algum tipo de reação. Assim me exponho mais, porque fico à vontade para botar para fora o que vier na cabeça. Assisto todos os dias os vídeos do canal de Henry Bugalho, do qual sou membro contribuinte. Henry é escritor, hoje bastante conhecido, mas, no início, não era assim. Há poucos dias ele falava que quando começou a escrever se sentia um pouco frustrado porque não tinha leitores e não recebia qualquer comentário. Por outro lado, não se sentia obrigado a agradar seu público, até porque não tinha público nenhum. Hoje, seus leitores esperam dele coerência com as publicações já feitas, o que poderia acabar por afetar sua espontaneidade. Só não afeta porque ele se consegue enxergar que a pluralidade de sua obra pode ser seu diferencial.

Comecei este texto falando da arte de ficar sozinho e até agora só falei de outras pessoas, mas tem tudo a ver com o artigo do Marcel Camargo. Em determinado trecho, ele diz que quando está sozinho navega na Netflix, dedilha seu piano e escutas as playlists de sempre. Ficar sozinho tem essa magia que poucos entendem. Se hoje conheço seu blog , o canal e os livros do Henry Bugalho é porque aproveito meus momentos de solidão para descobrir novos autores, novos e velhos filmes, pensar em coisas que não existem ,até que passem a existir, sonhar sonhos desejados e sonhos que não me interessa realizar. Sonhar por sonhar é uma forma de peneirar os pensamentos e guardar aquilo que vale a pena guardar.

Quando estou sozinho, posso falar sozinho, é claro, mas não falo porque é o momento em que aproveito para ouvir, nem que seja o silêncio. Sinto cheiros que me remetem a tempos idos e me fazem ter vontade de criar tempos igualmente inesquecíveis. Penso em amigos que se foram e em amigos que chegaram. Penso que as perdas talvez sejam apenas a criação de espaço para que o novo venha, e isso vale para objetos, pessoas, momentos e sensações. É tudo uma questão de observar, de perceber.

Já tive inveja de monges, que passam a vida meditando, mas hoje não sei se são livres. Não sei se aprenderam a meditar sem um roteiro. A busca pela elevação espiritual pode ser tão incômoda quanto qualquer busca. Gosto que as coisas surjam. Há coisas que precisam ser buscadas, mas isso geralmente é necessário para o lado prático da vida. Não me refiro a essas coisas. Se quiser evoluir, que seja uma evolução serena, que não me exija avaliar o quanto já percorri e o quanto ainda falta percorrer. Não quero me sentir obrigado a nada. Para isso já existem as obrigações, e todos as temos.

Ficar sozinho é mais do que prazer, é necessidade, é liberdade, é se preparar para estar com os outros. Não sei como lidaria com pessoas se não reservasse um tempo só para mim. Acho que enlouqueceria, e não sei se iam gostar de mim. Tem maluco bom de conviver, engraçado, prestativo, carismático, um maluco beleza, mas tem uns que não dá nem para chegar perto. Estes são furiosos e não gostam de gente. Gostam de ficar sozinhos para poder destilar o ódio do mundo e para se admirar. Não se ocupam em conhecer coisas novas. Acham que se bastam. Maluquice é uma loteria, então é melhor não endoidar.

Há anos, quando o navegador Amyr Klink fez uma viagem à Antártica e  encalhou propositalmente seu veleiro na Baía de Dorian, sabia que por um ano não sairia dali. Foi sozinho e levou um monte de coisas para passar o tempo. Gravou não sei quantas fitas cassete, levou uma caixa de relógios estragados para consertar, fez curso de dentista para o caso de algum canal precisar ser extirpado, enfim, fez de tudo o que não faria se estivesse em casa. Hoje, vive de palestras contando suas experiências. Nunca vamos saber se foram boas ou ruins. Ninguém assistiria a uma apresentação dele para ouvir reclamações. Gostando ou não ele vai dizer que foi maravilhoso.

Mas acredito que tenha sido melhor do que aquela família catarinense maluca que viaja amontoada em um veleiro pequeno. É como encher uma quitinete de gente, só que sem a possibilidade de ir para a rua beber um chope. Ali, se sair cai no mar. Estes escolheram viver o verdadeiro inferno em alto mar. Botar qualquer um daquela família para fazer o que o Amyr Klink fez ia ser interessante. O cara ia rasgar as velas do barco e arrancar o leme, para nunca mais voltar para casa. Antigamente se dizia que alguns pais de família falaram que iam comprar cigarros e nunca mais voltaram. Hoje ninguém mais fuma e, talvez, por isso tenha aumentado o número de crimes passionais.

Solidão é escolha. Tem gente que opta por nunca estar sozinho. Os mórmons, por exemplo, só andam em dupla. A melhor definição que ouvi sobre eles é que parecem testículos: são dois, um é maior do que o outro e só servem para encher o saco.

 

Rio de Janeiro/RJ,  13 de janeiro de 2021

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