Perfumes
que marcaram épocas, registraram namoros, deixaram saudades.
Cheiro
de mato molhado, de grama cortada, de jardins de casas idas, cultivados por
quem não está mais aqui.
Cheiro
de vida das flores que comemoram, cheiro de tristeza das que fazem as
despedidas,
Cheiro
de chuva na terra, no asfalto quente, na calçada, no centro da cidade, no
quintal.
Cheiro
de verão, de sol, de natais passados, de férias, de passarinhos, de piscina, de
praia.
Cheiro
de fumaça de carro, de moto, de trem, de estrada, de floresta queimada, de
incinerador de lixo, que hoje os prédios não tem mais, cheiro de incenso,
cheiro de cigarro de pai, cigarro de palha, cigarro de noitada, de baseado.
Cheiro
de bebida e de vômito. Cheiro de café amargo.
Cheiro
de quem saiu do banho e de quem parece que nunca entrou.
Cheiro
de quem escova os dentes e de quem não sabe o que é isso.
Cheiro
de comida boa, de churrasco, de
feijoada, de pizza, de peixe frito.
Cheiro
de leite azedo, de ovo choco, de banheiro de rodoviária.
Tem
cheiro de todo jeito, e cada um desperta o que a gente quer.
O
cheiro de lenha, ou da fumaça da lenha queimada, me leva para a casa da minha
avó, que usava fogão de lenha. Em Passa Quatro ninguém usava fogão a gás.
Fogão
de lenha só apagava à noite, e mesmo assim ficava um calorzinho para o gato
dormir, mas no fim da tarde o cheiro que saia das chaminés tomava a cidade
inteira. Era como um aviso para o frio da noite que se aproximava.
Era
hora de aproveitar a água quente que vinha da serpentina do fogão para tomar
banho sem congelar. Depois do banho, um gole para não resfriar e para abrir o
apetite, que a janta já estava quase pronta.
Hoje
fogão a lenha só nos lugares muito pobres, ou em restaurantes típicos, que
fazem a comida no fogão a gás e botam no fogão de lenha para parecer que foram
feitos lá.
O
fogão de lenha virou vilão. O responsável pela comida que diziam mais gostosa,
mata muita gente de doenças respiratórias. Tem gente que nunca botou um cigarro
na boca e teve câncer de pulmão. Os monges antigos também morriam assim, por causa do incenso, mas um
pouquinho só não mata ninguém.
As
pizzarias a lenha e as churrascarias que usam carvão atraem mais gente, por
causa do cheiro. Na vizinhança há uma pizzaria com forno a lenha. Não há uma
vez que passe por perto e não me lembre de uma época tão boa da minha vida, o
que não é difícil, porque todas as épocas da minha vida são boas.
Alguns
momentos foram tristes, mas só sentimos tristeza quando acaba alguma coisa que
foi muito boa. Então vou me lembrar das coisas boas. Das tristes não preciso me
lembrar. Ela mesmo se encarrega disso, se me pegar desprevenido.
Tem
gente que escuta música para recordar, ou veem fotos. Eu gosto de cheiro, mas
não existe aparelho para reproduzir cheiro antigo. Não posso queimar lixo
dentro de casa para lembrar de quando ia à praia de Copacabana, no tempo em que
os edifícios da Atlântica incineravam suas lixeiras. Podia poluir, mas não
precisava desses caminhões barulhentos recolhendo lixo.
Também
não posso fazer uma fogueira no quarto e pensar que estou em Minas Gerais, nem
fumar para lembrar do meu pai, senão vou matar essa saudade mais cedo do que
pretendo.
Para
lembrar tem os perfumes. Uma vez minha mãe me trouxe um perfume chamado
Lancaster, comprado na zona franca de Manaus, que é onde se comprava produtos
importados com preços razoáveis. Se bem que ela foi de navio, e a economia não
deve ter sido assim tão evidente.
O
tal Lancaster tinha um cheiro inconfundível. Acho que meu pai também usava, mas
era um cheiro de reuniões festivas do Rotary Club, onde os sócios podiam levar
as famílias. Talvez por ser um programa meio chato, fiquei com algumas
lembranças.
Dizem
que a primavera tem cheiro, talvez das flores, mas sinto mesmo é o cheiro do
inverno. Talvez por ser a estação que mais gosto. Se me perguntarem qual o
cheiro do inverno, acho que não saberia responder. Tem coisas que a gente sente
mas não consegue dizer. É igual a liberdade. Poucos sabem explicar, mas ninguém
vive sem ela.
Namoro
tem cheiro, e por épocas. Algumas coisas, para mim, tem cheiro de namoro novo.
Não é só o perfume que a gente usava no começo do namoro, mas também de outras
coisas, como o cigarro de palha, que já não fumamos mais, do arroz de
carreteiro, dos incensos e das casas. Morávamos separados.
Hoje
vivemos juntos. As lembranças do namoro novo não são nostalgicas, mas revivem
momentos de individualidade, que soubemos aproveitar para fazer uma vida em
comum.
Lembranças
devem ser assim. Base para o momento presente. Tenho saudades de muitas coisas,
mas certamente não gostaria de reviver. Foi, passou e hoje me fortalece. Trago
dentro de mim, como parte de mim, como minha essência.
Essência
é um perfume. Essência também tem cheiro.
Rio, abril de 2019
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