sábado, 31 de março de 2018

Fran


             
Um mestre japonês me apresentou sua melhor amiga e, para demonstrar o quanto eram unidos, disse que um iria ao enterro do outro. 

Esta foi a forma encontrada para dizer que seriam amigos para o resto da vida. As mensagens deixadas pelos mestres chineses, nas inúmeras passagens edificantes e irritantes que inundam as redes sociais, ainda que na maioria das vezes inventadas, são mais poéticas e leves do que a dos japoneses.

Tenho uma amiga que pretendo trazê-la comigo para sempre. Ela me faz bem, me alegra, me compreende, ou não, e me aguenta, com a paciência que só se espera dos amigos. A Bel, minha mulher, também me faz bem, me alegra, me compreende, às vezes, e me aguenta, talvez sem a mesma paciência, o que é natural.

Minha amiga não pensa igual a mim. Ela é mulher e eu sou homem. Ela é de peixes e eu de virgem. Ela é prática e eu dou uma volta enorme para chegar aonde quero. Mas, no que combinamos, a coisa é pra valer. E aí as coisas são de uma intensidade maluca.

Gostamos de almoçar juntos, então almoçamos juntos todos os dias. Nossos trabalhos são muito próximos. Gostamos de livrarias, então já aproveitamos e almoçamos na livraria. Gostamos de canetas-tinteiro, e aí compramos canetas-tinteiro como quem compra chicletes, que, aliás, gostamos também.

Gostamos de vinho, e também não gostamos de parar. Quando é para beber, por precaução, não vamos sozinhos. Cada um leva quem lhe atura (eu levo a Bel), e aí vamos conseguir chegar em casa. Cada um na sua.

Minha amiga é bonita, muito bonita, e chama a atenção de todo mundo. Até nisso temos afinidade. Não que eu seja bonito, não sou, mas minha mulher é, e muito. Então já me acostumei a ver pessoas olhando de rabo de olho. Ou de olho no rabo.

Quando viajo, sinto saudade da minha amiga, mas quando ela viaja sinto mais. Ela disse que também sente o mesmo. Por que sentimos mais quando estamos em nosso lugar? Talvez por falta de novidades para nos distrair. Deve ser isso.

Sempre que estiver com saudade, e não estiver viajando, vou mudar de hábitos. Quem sabe assim sinto menos? Posso ir para o trabalho a pé, ou por um caminho errado. Posso comer o que não gosto, vestir agasalho no calor e roupa leve no frio. Andar com gente chata. Sei não. Pensando bem, saudade não é tão ruim assim. Dá para aguentar um pouco, até porque saudade faz lembrar, e lembrar é uma forma de ter por perto.

Minha amiga me dá conselhos, e pede os meus. Eu escuto os dela e acho que ela escuta os meus, mas escutamos sempre o que outro tem a dizer. É bom ouvir quem a gente gosta.

Não sei se é fácil definir o que é amizade, da mesma forma como é difícil definir o amor e a dor. Sentimento não é para ser definido, mas para ser sentido. Talvez nominado. Quando alguém me perguntar o que é amizade, acho que vou responder com um nome. Vou dizer Fran.

Rio, fevereiro de 2018

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