Bel tossiu a noite inteira.
Não me incomodou nem um pouco, a não ser por saber que ela não teve um
bom sono. Logo ela, que gosta tanto de dormir bem.
Acordei muito cedo, talvez por isso ou talvez por outra
razão, que não me ocorre no momento. Faço um pouco de café, porque gosto mesmo
é de tomar café quando ela acorda. Sei lá, talvez seja o contraste entre o
olhar que sempre me encanta e o humor que aconselha a manter distância segura,
como os alertas na traseira dos carros de transportes de valores.
Daqui a pouco vou à feira, comprar o queijo que ela tanto
gosta e procurar um abacate maduro, para bater com leite. Fico um pouco
encabulado de escrever sobre abacate, principalmente para ela, por achar que
estou a plagiar meu amigo e poeta das Alagoas, André Falcão, que fez um conto
lindo, sobre abacate.
Quando me levanto, trago comigo uma cesta de coisas para
fazer. Não é um balaio físico, mas são tantas prioridades que acaba por não
existir nenhuma. E aí não faço nada, a não ser pensar, o que não é de todo
ruim.
Escrever é uma coisa boa para se fazer de manhã,
principalmente se não me censurar e
botar pra fora tudo o que der vontade. Tenho lido todos os livros do escritor
argentino Hernán Casciari, e neste último ele fala sobre a necessidade de escrever.
Aconselha que se temos a algo a dizer, que digamos (aqui o
verbo dizer pode ser interpretado como escrever), e se não temos nada a dizer,
que digamos também. Ou seja, escrever sempre, tendo ou não assunto para isso.
Acho que até quem não tem os dedos das
mãos, ou talvez nem as próprias mãos, pode escrever todas as manhãs, desde que
tenha um adaptador de voz ou um monge copista para passar para o papel o que
for ditado.
O café acabou, e se for pegar o resto da cafeteira vou ficar
um bom tempo sem querer tomar café, porque o gosto deve estar horrível. Prefiro
esperar para fazer um novo, depois que voltar da feira, com o queijo, o abacate
e o jornal. Aí posso fazer pose de americano, ou de inglês, e folhear as páginas, com uma caneca fumegante e uma cadela
esperando afagos debaixo da cadeira.
Ela não quer carinho. Na verdade quer um pedaço de pão ou de
qualquer coisa que eu estiver comendo. Ultimamente até banana ela aceita. Se
soubesse, teria adotado um macaco. Pelo menos ia me fazer rir.
A Bel, quando acorda, até aceita um carinho, mas está mais
interessada no que vou fazer para ela. Nesse ponto as duas combinam. Se fazem
de carentes, mas têm interesses mais fisiológicos. A fome empurra o mundo,
desde sempre, e as manhãs fazem com que ele se renove a cada dia.
Rio, fevereiro de 2017
Rio, fevereiro de 2017
* Sexta feira, véspera de Carnaval 2017 (Rio)
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