quinta-feira, 19 de abril de 2018

Ruptura


Nas duas apresentações de Jorge Drexler, no Rio e em São Paulo, um trecho de música me calou mais fundo por sua verdade absoluta. “Nada es más simples, No hay otra norma: Nada se pierde, Todo se transforma.”

De forma inspirada, o talentoso uruguaio repetiu sob aplausos a frase de Lavoisier, que veio lhe custar a cabeça, do Lavoisier e não do Drexler,  na sequência da Revolução Francesa, mesmo com toda a comunidade científica européia implorando clemência a Coffinhal, que respondeu que a França não precisava de cientistas. Ainda bem que precisamos de arte.

O que é a transformação, se não a ruptura? Nada se transforma se não houver o fim de algo que, mantido, impediria a evoução e, talvez, a passagem do tempo. Novos tempos são o efeito do fim dos velhos tempos.

A aceitação do novo é dolorosa para quem já acumula experiência com perdas, e a iminência de mais uma se faz sofrida, quando deveria se mostrar como oportunidade de renovação.

Mas a contagem da vida se faz, a partir de um ponto de inflexão, de forma regressiva, e o novo traz medo, se visto como a implacável caminhada para o ponto final, ao invés de mais um dos pontos parágrafos que dão fôlego a uma história com muito ainda a ser contada.

Ruptura abre caminho para uma nova vida, e novas vidas chegam em  meio a lágrimas. Nascemos chorando, até que sejamos aquecidos e alimentados, quando então experimentamos o conforto do aconchego. A partir daí, vivemos para um mundo novo, rompidos do cordão umbilical.

Rupturas devem ser vistas como degraus, que amenizam o esforço da subida. Finda uma etapa, passamos para a próxima, e a vida se faz entre as duas. Reservamos ao passado um lugar em que possa ser acessado, quando precisar e se precisar. Não é algo para ser remexido o tempo todo. Se tivéssemos que andar olhando para trás, teríamos olhos na nuca.

Transformar o fim em recomeço é viver para sempre, é transformar perdas em ganhos. Se a vida insiste em tirar, insistimos em repor. Teremos então uma existência sempre renovada, com os mesmos anseios que antecedem o novo, que deixam a respiração entrecortada e o coração descompassado. Quem precisa de rotina o tempo todo?

Separações escondem o outro lado da dor. A despedida do viajante ofusca a descoberta. O adeus a um relacionamento deve ser breve, para que outro surja sem os vícios do que se foi. Não é o fim que nos prende. Nós que nos prendemos ao fim.

Romper é ter coragem. Coragem de pensar, de refletir, de encontrar, de se encontrar. É ter coragem de viver. E a vida só vem após a ruptura.

Rio, abril de 2018

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